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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Fonte do cartaz: Parasita - Cine Belas Artes

Parasita, o filme


A pobreza é apresentada tal qual um ‘esgoto’. Algo que os mais abastados não veem, e quando notam a presença, preferem pensar que não existe, mas o odor está ali instigando. Também em analogia, é nesse subterrâneo que a parte rica expele seus conteúdos sombrios. O cheiro parece ter sido um dos grandes protagonistas comunicacionais, ele em várias partes do filme foi uma fonte de desprezo, e que se torna a raiva manifestada ao final.

A família rica que vive numa mansão imaginada por um arquiteto famoso. De traços precisos almeja habitar pessoas que correspondam a esse projeto: “a família perfeita”. A mansão como artefato quer simular seus habitantes. Um executivo que absorve o cartesianismo socialmente impregnado. Lá também vivem sua esposa, que conduz ao significado de ‘vazio’, um filho e uma filha. O garoto um hiperativo que desenha conteúdos que esperneiam a própria vida. Os pais “perfeitos” no ponto de vista da sociedade burguesa, não sabem ouvi-lo e tentam enquadrá-lo na retorica cotidiana. A menina, por seu lado, é incentivada a buscar o conhecimento, mas mantem-se represada em seus instintos. Os ricos, na obra de Bong Joon-ho expectoram a ‘sombra’ na governanta que alimenta um ‘parasita’ no subsolo da mansão. O dejeto psíquico tem sempre um condutor.
A família pobre é a antítese dos que vivem na mansão. Igualmente possuem dois filhos e sabem que para sair da miséria é preciso ascender. Longe de pleonasmos, essa ascensão está na metáfora: uma casa onde o teto está na altura da sarjeta, um limite social que espreita através das janelas que ameaçam cotidianamente empurrá-los às ruas.
O ritmo neurótico dos abastados preliminarmente é encontrado nas cenas que revelam as tarefas que oprimem: a insana necessidade de perfeição ao dobrar caixas de pizzas.
A simbologia do deslocamento para a parte alta da cidade exprime um espaço difícil de atingir. Assim, o primeiro a entrar na mansão é o filho excluído pelo sistema, mas valorizado por seu conhecimento. Algo como: conheça e será capaz de subir. O bairro demanda galgar ruas íngremes para chegar à mansão, e o quarto da ‘aluna’ está na parte mais elevada da residência. Contudo, o jovem que chegou lá pelo conhecimento é sugado pela intangível felicidade da família burguesa que compõe o filme: Parasita.
Muito possivelmente a garota, interpretada por Jeong Ji-so, o vê refletindo a posição da mãe ‘vazia’ e a volatilidade do pai. Quando a personagem vivida por Park So-dam entra nesse tortuoso território, ela é a única que parece entender o mundo do filho caçula do casal burguês. 
O pai, o terceiro a entrar ou a vislumbrar a ascensão parece carregar com mais intensidade o instinto primitivo, e então se torna um empregado dos ricos. Como ele é o motorista, poderíamos inverter alguns termos da frase anterior e construir algo como: Os ricos são ‘conduzidos’ pelo instinto primitivo.
Logo, a esposa do personagem de Song Kang-ho, surge como uma governanta que despreza o luxo e ao mesmo tempo reivindica-o. Uma das grandes provocações do filme: tornar-se aquilo que despreza.
A família que buscou a ascensão termina em tragédia, assim como nos mitos gregos. O filme, ganhador do Oscar em quatro categorias, não revelou apenas uma ficção concebida no mundo sul coreano. Ele contou o sentimento social de todas as partes do planeta. Se transpusermos códigos, essa ação revela uma exclusão que também dizima a América Latina com palácios de toda natureza que propagam o desprezo aos mais pobres.

Prof. Renato Dias Baptista - UNESP
rd.baptista@unesp.br